Depoimentos

Leia opiniões de diferentes leitores sobre o livro.

Ivone Espínola de  Souza Nunes, esposa e grande companheira de Francisco Soriano – 23/08/1943 – 18/12/1914, em depoimento escrito para a 1ª edição do livro. 

 

Carteirinha

Estas memórias são também minhas.

Dividi com Francisco muitas das angústias e alegrias aqui descritas. E de forma até engraçada. Como de praxe, ele me elegeu sua “censora” oficial, especialmente para as páginas mais “picantes” do nosso romance. Quando o vi pela primeira vez e nos flertamos discreta e fulminantemente, tive absoluta certeza de que estava encontrando a alma gêmea.

“A Grande Partida: Anos de Chumbo” foi, ao mesmo tempo, para mim anos de primavera. Vivíamos também o cenário de nosso namoro, noivado e casamento, conjugando o amor à liberdade e à igualdade com o ódio à tirania e ao egoísmo. Apesar de não estar com ele diretamente no front da batalha do processo político, tinha consciência de tudo e o apoiava incondicionalmente. Sofri, também, na pele a repressão do governo ilegítimo por ser companheira de um guerrilheiro.

Tive que abandonar a primeira faculdade, trabalho e moradia. Prestei concurso, fui aprovada e chamada para trabalhar na área administrativa da Petrobrás em 1971, mas não assumi por “razões de segurança”: procuravam loucamente Francisco, o meu companheiro. Presenciei, por três vezes, a prisão de um homem desarmado, que trabalhava e possuía endereço certo, levado sem saber para onde, por um aparato de homens fortemente armados e não identificados.

Ao longo dessa caminhada por quase quatro décadas de convivência, concebemos a vida para Geraldo, Ruth, Sarah e Túlio. Trago na memória a presença carinhosa de Francisco cantando e tocando violão para fazê-los dormir. Na educação deles, sempre procuramos chegar a um denominador comum; respeitando opiniões e dividindo responsabilidades. Dentre outras coisas, aprendi que a tolerância é aliada da longevidade e felicidade de nossa união. Agora nos encantamos com a chegada dos netinhos, Tiago, Danilo, Selena, Francisco, Lêla Sophie e Ágata.

Francisco adora fazer graça e relembrar (e que memória!) os momentos marcantes que juntos passamos. Soriano é interativo na busca de soluções para os problemas sociais. Compreensivo e tranquilo até demais. Enquanto tenho um gênio mais “arretado”, ele, embora leonino, é mais paciente. Diria que talvez por isso estejamos juntos.

Jura que nunca me traiu. Acreditei cegamente e assinei uma carteirinha de bom marido para ele por ocasião das bodas de prata.

Seu dom artístico (o amor é lindo!) é contagioso. Compartilhamos memoráveis encontros musicais, teatrais e de dança.

Registro aqui meu amor por Francisco, continuamente eternizado, qual nos momentos mais dramáticos e adoráveis que juntos passamos.

 

Carinhosamente, 

Ivone

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A voz dos quatro filhos

 

 “Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão…”

Foi nos seus embalos noturnos dos mil e um tons de instrumentos musicais que crescemos. A partir de sua visão de mundo, construímos a nossa, fundada na ética, no altruísmo e no posicionamento político, crítico e pacifista.
Enquanto amadurecíamos, dávamos conta de sua personalidade singular. Seu jeito maroto passou a ser considerado espirituoso. O olhar sereno era explicado pela mineirice que sempre destoou do jeito muito paraibano de nossa querida mãe. Aquele traço também justificado por uma faceta de meditante e exímio enxadrista. Esse mesmo que sempre nos perdia na praia e no supermercado, o mesmo que se fazia de cavalinho para montarmos, nós quatro, em sua garupa…
Sua juventude, recente, também revelou um pai compositor, contador de piadas, cantor e ator de teatro popular.
Que mais? O fiel escritor que vem relatar os seus mais sofridos anos, antes segredados para nós, por questão de segurança. Tal relato fez-nos entender, com tristeza, os sinais em seu rosto, coração e mente; admirá-lo ainda mais e a nossa amada mãe por sempre tê-lo compreendido, acompanhado e apoiado.
“A Grande Partida: Anos de Chumbo” revelou-se então uma história tão nefasta que não se pode esquecer jamais, sob o risco de se prescindir, uma vez mais, da vida em detrimento da morte, justificada pelo medo do socialismo.
Julgamos que este livro ajudará as próximas gerações, que, uma vez conhecendo os 21 anos sombrios de opressão pela qual passamos, possam dar passos firmes pela radicalização da democracia.
Querido pai Francisco, esta obra de sua vida é para nós uma oportunidade de registrar nosso orgulho e agradecimento a Deus por sermos seus filhos e de termos descoberto a importância do sublime amor de pai sempre presente em nossas vidas.

Seus fãs e filhos:

Geraldo, Ruth, Sarah e Túlio.

 

Maura Pires Ramos, educadora que lutou contra a tirania e sofreu prisões e torturas, fundadora e diretora da Escola Pequeno Príncipe de Campina Grande (PB)

Sua luta pela redemocratização do Brasil enche-nos de orgulho e muito nos sensibiliza. A Grande Partida: Anos de Chumbo, livro que lança hoje em Campina Grande, é um excelente registro  de grande valor histórico.

Parabéns a você pelos seus feitos extraordinários, e a Ivone – sua companheira de todas as horas, pela coragem, pela bravura e pela imensurável generosidade. Em meu nome e de todos os que lutaram para livrar o nosso país da tirania de um regime autoritário, receba o nosso abraço fraterno e carinhoso.

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Raphael P. Mendes, 15 anos, sobre a leitura do livro do livro A Grande Partida: Anos de Chumbo

Um dos melhores livros que já li. 

Francisco Soriano soube contar a história nacional e internacional através da sua própria epopéia. Documentos oficiais e sigilosos dão legitimidade à narrativa, numa linguagem fácil e de conteúdo muito amplo. Nela, Soriano cumpriu uma promessa (como ele mesmo declara no início do livro), contou a sua história e de uma boa parte do mundo, falou dos problemas sociais da época e vividos até hoje.

Além de constituir-se em uma obra histórica, é muito cultural e a linguagem de fácil entendimento.

Depois deste livro sobre os anos de chumbo, não é preciso a leitura de nenhum outro, pois a obra em questão é a mais completa em informações.

Parabenizo o Francisco Soriano  e tenho o enorme prazer de falar que fui ao lançamento na Livraria do Museu da República, no Rio de Janeiro.

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Dulcina Regina Ribeiro Molina,professora de literatura, em Teófilo Otoni, Texto lido em conjunto pelo também professor de literatura, Antônio Lopes Chácara, por ocasião do lançamento da 1ª edição do livro A Grande Partida: Anos de Chumbo, na cidade natal do autor, em junho de 2006.

A respeito de um homem, sua vida e sua obra:

De forma didática, Francisco vai-nos apresentando flashes. Fatos inacreditáveis acontecem de maneira insólita – e dão o diferencial à narrativa. Dessa leitura ninguém sai impune. O autor conta uma história não linear: tramas se desenrolam ao longo das lembranças, num vai-e-vem, e vão-se entranhando em compartimentos estanques no leitor, de forma bem desenhada. Cada caso é um caso. Juntos, formam uma vida. Nesse trabalho plástico a que vamos dar o neologismo grafossentimental, o leitor é contaminado a cada passo. Há um senso documental nessa obra sob vários aspectos. Fatos narrados, informações preciosas e raras, imagens antigas. O grande desafio aqui é tornar a história viva, já que a maioria das personagens está morta.

Ao abrir o livro, Soriano ressalta que o batismo de um comando com o nome de um companheiro é uma das maneiras de homenagear os que haviam tombado. Daí, quando em Campina Grande encontra um panfleto do Comando Revolucionário José Milton Barbosa, entende a mensagem e o autor relembra suas últimas palavras: “Nego, vai fundo. Quem sobreviver escreva e divulgue a nossa história, que apesar de trágica é correta e justa”. Estava dada a largada para A Grande Partida: Anos de Chumbo.

Tantas abordagens o filho de senhor Avelino Nunes e dona Ruth Soriano nos traz neste livro: “É bom ser bom”, lição que Francisco aprendeu até a última letra.

É quase difícil imaginar um homem, de estatura acima da média, circunspecto, como o Sr. Avelino, meditando, em busca do aprimoramento da humanidade.

Da. Ruth, pianista, professora, “cujo sermão doía mais que uma palmada”, ensina ao filho o be-a-bá. Aprendendo a ler, o menino inicia, passo a passo, as pegadas musicais da mãe. E vai longe: piano, acordeom, violão.

Com um jeito de criança e carisma especial, o rapaz faz desfilar uma legião de namoradinhas, com histórias diversas.

Onde fica o enxadrista? No Serviço de Planejamento da Petrobrás, Castilho ministra aulas de xadrez aos companheiros, e, o principal – faz analogia entre o jogo e a vida. Soriano aprendeu até tornar-se um ás.

Há uma alteridade que começa em casa, com o pai, a mãe, irmãos, sobrinhos, com cada amigo que defende, com aquela paraibana forte a quem ama de verdade, ou os filhos de sua paixão: uma questão de entranhamento.

Em toda a obra, uma economia na verbalização, dentro de uma seqüência de acontecimentos; uma incrível capacidade de sintetizar grandes emoções, sem despejar sentimentalismos. A meta é chegar ao leitor. Assim, alcança o comum da forma mais simples possível, marca inquestionável de sua obra.

Universitário, Francisco viaja pelos caminhos da subversão, no tempo em que artistas se chamavam undergrounds e marginais. Dessa vez doeu. Ivone, a mulher inteligente, entra em sua vida e se politiza. Mas se aflige. Pais septuagenários sofrem com as conseqüências. Irmãos se atormentam. Por outro lado, a truculência: policial noir de qualidade; elementos (des) humanos que fizeram e fazem ufania do estilo: desencanto, angústia, problemas morais e existenciais. Espécie que aparece como gente de verdade.

Ao narrar os acontecimentos, Soriano não pede que o vejam como pessoa, que passou por grandes sofrimentos físicos e morais, gastando sua juventude contra as desumanidades da ditadura. Jovens políticos, fracos, desbotados, presos em calabouços, ganham vida e figura de gente real, de rosto esperançoso, quando o portão é aberto para a saída de um do grupo.

O que quis dizer o sonho com um gado, andando ou correndo, tangido pelos vaqueiros que cantavam e gritavam, ali na rua Marcelo Guedes? Reses tresloucadas desgarrando-se das demais, fugindo para onde viam um campo aberto; olhos vendados, focinhos furados, sangue que escorria. Barbaridades! Incrível associarmos estas crueldades com as que nossos jovens sofrem. “Não disparem, não disparem, a ideais não se matam”, dizia o tenente Pedro Sarria aos soldados, quando da prisão de Fidel Castro. Evidente aqui a força da Maçonaria.

Interessante observar como a obra permite ao leitor se contagiar por imagens que saltam do texto como figuras, num universo em que amor, ódio e rebeldia se misturam para mostrar a delicadeza ou a força da trama. Impossível reprimir-se e não viver os fatos.

A ambivalência de guerreiro e amante é algo que remete ao compromisso do autor com a alma humana: aí reside o sentido para a vida do cidadão.

Soriano nos aponta um caminho – a Maçonaria – único talvez que atua positivamente em quase todos os grandes episódios da História: Conjuração Mineira, Abolição da Escravatura, Independência do Brasil, Proclamação da República. Graças a ela, que tem seu pai como afiliado, sai ileso da ditadura, mesmo trazendo lembranças renegadas de uma tortura tão sem perdão.

A Grande Partida:Anos de Chumbo é quase um retrato na parede. Um autor inquieto que não consegue fazer uma coisa só. Ao longo de uma diversidade de projetos, Francisco pula para os acontecimentos familiares, daí para a história e a política, salta então para o músico, o profissional, o enxadrista. Daí para amores fugazes e, finalmente, o grande Amor.

Arremata, no final, no que seria uma vida, não sem antes projetar uma galeria de jovens lutadores. Esse é o retrato de seus passos, nas várias áreas.

Um aspecto que chama a atenção do leitor é o fato de o livro agregar diversos elementos, que vão do estudante ao policial, do suspense à espionagem.

Adjetivando: catártico, emocionante, inesquecível.

Resumindo: a vida.

Reforçando: seu recado à exaustão; atingiu o intento.

Realizando: profissionalismo extremado.

Atuando: fidelidade absoluta.

Intrigante, de leitura multifacetada, vários elementos se interligam neste livro, onde o ser humano, além de não valer muito, tem de se virar como pode, para continuar sobrevivendo.

Charles Chaplin nos convida a finalizar este estudo:

“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra.

Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha, e não nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. 

Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso”.